O papel das políticas públicas no combate ao discurso de ódio na Internet
De acordo com o Plano das Nações Unidas sobre Discursos de Ódio, essa prática se caracteriza como um tipo de comunicação falada, escrita ou comportamental que ataca ou utiliza linguagem pejorativa ou discriminatória em referência a uma pessoa ou grupo, com base em fatores de identidade, como religião, etnia, gênero, entre outros. Diferentemente da desinformação (prática não intencional de compartilhamento de informações imprecisas), ou da distribuição intencional de informações falsas com o intuito de provocar dano, o discurso de ódio se expressa de forma violenta contra grupos delimitados.
O discurso de ódio online, também conhecido como cyberhate, pode ser reproduzido em diferentes formatos, mas geralmente contém características típicas do meio digital, como o anonimato do(a) autor(a), o alcance expandido do ataque, a instantaneidade da mensagem e a formação de comunidades em torno do discurso. As vítimas de crimes de ódio são mais propensas a sofrer vitimizações repetidas e a experimentar graves impactos psicológicos como resultado, ao mesmo tempo em que são menos propensas a ficarem satisfeitas com a resposta da polícia do que as vítimas de outros crimes.
No Brasil, as denúncias de xenofobia na Internet cresceram 874% em 2022 em comparação com o ano anterior, conforme aponta um levantamento divulgado pela Central Nacional de Denúncias da Safernet. A mesma pesquisa aponta aumento no número de denúncias de situações de intolerância religiosa e misoginia.
Qual o papel dos governos no enfrentamento ao discurso de ódio na Internet?
O combate a essas práticas envolve ações complexas e coordenadas por parte de governos. Dado que há uma lacuna no ordenamento jurídico vigente quanto à responsabilização penal e civil da conduta odiosa, a normatização e a construção de consensos sobre discursos de ódio são passos importantes para que os tipos de crime motivados por preconceito estejam definidos de forma precisa na legislação nacional. Essa normatização deve vir acompanhada de um esforço federal na uniformização dos registros para crimes de ódio nos estados.
Institucionalmente, o combate ao discurso de ódio na Internet envolve a preparação dos órgãos e trabalhadoras(es) da segurança pública para esse cenário. Treinamentos com equipes de segurança pública podem desenvolver habilidades técnicas, sociais e emocionais para lidar com situações emocionais/psicológicas intensas e denúncias de vítimas, bem como atualização sobre tendências locais e nacionais relacionadas a crimes de ódio.
Ao mesmo tempo, os governos têm um papel central na promoção e no apoio a campanhas de conscientização sobre os danos causados pelo discurso intolerante dentro e fora do mundo cibernético. Campanhas públicas podem também informar o que são crimes de ódio e quais são os canais corretos para denunciá-los, podendo ser direcionadas a públicos específicos.
Caminhos múltiplos e interconectados
O funcionamento e a gestão das tecnologias também assumem importância nesse cenário. Iniciativas de aprendizagem de máquina para identificação desses discursos ganharam grande destaque nas respostas de diversos países nos últimos anos. Além disso, as próprias redes sociais podem adotar estratégias de identificação de conteúdo de ódio com o objetivo de insultar, intimidar ou assediar diferentes públicos.
Outras estratégias, que envolvem ações articuladas entre governos e sociedade civil, ganham destaque: pesquisas de coleta de dados para o monitoramento e análise dos discursos de ódio; iniciativas de apoio às vítimas desses delitos; a promoção de um maior engajamento de lideranças capazes de influenciar, em diferentes níveis, discursos de tolerância e antidiscriminação; e o desenvolvimento e disseminação de materiais informativos com orientações sobre como abordar, combater e mitigar o discurso de ódio.
Cuidados necessários
É necessário, porém, o cuidado para que o enfrentamento ao discurso de ódio não gere outras violações de direitos. A proibição criminal é necessária quando o discurso de ódio incita publicamente a violência, porém as sanções penais devem ser usadas como medida de último recurso, mantendo a proteção da liberdade de expressão. As restrições ao discurso de ódio não devem ser usadas indevidamente para silenciar minorias e suprimir oposição política ou crenças religiosas.